Como será o comportamento da hotelaria no pós COVID-19?

Existem muitas incerteza, mas uma coisa é certa: o consumidor mudou muito seus hábitos e ficou ainda mais exigente

A pandemia devastadora do novo coronavírus – e da doença que causa, a COVID-19 – já conhecemos: milhões de infectados e centenas de milhares de mortos. Enquanto a vacina, que já está sendo pesquisada, não chega e a OMS – Organização Mundial da Saúde não tira o status de pandemia, observamos diferentes cenários mundo afora. Algumas nações, antes epicentros da enfermidade, como China e Itália, e outras duramente atingidas, como Alemanha, Reino Unido, começaram a levantar as barreiras do isolamento. Escolas, bares, parques, restaurantes, lojas voltaram a funcionar sob novos protocolos de segurança. O próximo o será a abertura do turismo doméstico e, posteriormente, o internacional – com o levantamento das cancelas junto às fronteiras. Com isso a indústria turística – uma das mais afetadas pelo coronavírus, que amarga bilhões de dólares em prejuízo e demitiu milhões de trabalhadores – inicia a longa jornada para reaver toda o antigo explendor – mesmo com o status de pandemia pela OMS. A Espanha, que teve mais de 28 mil mortos e quase 235 mil infectados já está fazendo a reabertura de forma gradual para o turismo. A Alemanha e Itália, outros grandes focos da COVID-19 também já começam a reabrir a economia de forma lenta e gradual.

E o Brasil de dimensões continentais? Aqui há vários cenários, de cidades com lockdown e municípios e Estados com quarentena e com a vida voltando ao normal – sempre de acordo com os novos protocolos que preveem, por exemplo, o uso de máscaras. Em relação ao turismo, quando o tema é a volta à normalização, há diferentes cenários também. Algumas cidades, cuja economia depende fortemente do turismo, como Canela e Gramado, no Rio Grande do Sul, e Foz do Iguaçu (PR), onde a hotelaria e as atrações já reabriram – seguindo novas e mais rígidas normas para evitar a propagação do novo coronavírus.

Transformações significativas do setor

O Vice-Presidente de Operações e Desenvolvimento da Europa e América do Sul do grupo Minor Hotels, Marco Amaral, destaca que o segmento hoteleiro vai sofrer transformações significativas e isso requer investimento, reestruturação e adequação a novos comportamentos dos clientes, demandando a reinvenção de modelos e processos adotados pré-pandemia. “Todas as empresas serão obrigadas a ter uma capacidade de reação muito rápida, já que ninguém ainda sabe como vai ser o novo comportamento do consumidor, as exigências dos órgãos nacionais e internacionais e quanto tempo o mercado vai demorar a retomar”, ressalta.

 

Legenda: Marco Amaral: “As empresas serão obrigadas a ter uma capacidade de reação rápida no pós COVID-19”

Amaral destaca a utilização da tecnologia, que já tem sido essencial para manter uma gestão eficaz remotamente e continuará tendo papel importante na retomada. “Vamos fazer maior uso do que já estava disponível, mas era pouco utilizado, como celulares para ar aos quartos. Além disso, a tecnologia será protagonista para assegurar as medidas de higiene e segurança e sempre que possível diminuir o contato entre pessoas”, comenta.

E ele lembra que haverá a necessidade de treinamento dos colaboradores para adequação às novas regras de higiene, assim como um bom plano de comunicação para transmitir que os hotéis são lugares seguros e de baixo risco. E mesmo com tantas incertezas, “ser paciente, manter o otimismo, dentro do possível, e aproveitar o tempo de confinamento para completar formação técnica, de gestão ou um idioma, são de grande valia para o futuro”, concluiu Amaral.

Futuro incerto

Para a Gerente Geral do Staybridge Suites São Paulo, Daniela Pereira, o futuro ainda é de incertezas. “Eu acredito que teremos tempos desafiadores pela frente, e por este motivo, o pós-pandemia deveria ser um momento de muita união no setor, precisaremos adaptar nossos negócios, dividir informações e, principalmente, mostrar o turismo como algo ´seguro´. Tanto as viagens como as hospedagens. Estaremos diante de muitos protocolos e de uma forma completamente nova de se trabalhar”, analisa a hoteleira.

Daniela Pereira: “Pelo menos num primeiro momento, o carro será o meio de transporte mais utilizado pelas pessoas ávidas por voltar a viajar”

Na área da Operação Turística, o sentimento é semelhante e de que a retomada será difícil. “A retomada não será fácil, imaginar que a curto ou médio prazos o turismo volte a ser o que era antes dessa onda é pura ilusão. Principalmente o turismo de massa”, prevê o Diretor de operadora Escapadas Online, com sede em São Paulo, Edi Guerreiro. “Alguns segmentos devem sofrer um pouco mais até que uma solução definitiva (vacina e imunização total) se apresente. Setores como os de cruzeiros marítimos, resorts e parques de diversão, mesmo tomando todas as medidas possíveis de segurança, enfrentarão mais dificuldades para atingir os objetivos de load factor. Por outro lado, locais que tenham atrativos naturais, trilhas, eios de bicicleta, tours em barcos menores e mais exclusivos, ou seja, turismo com atividades ao ar livre, irão definitivamente apresentar alta demanda. É a hora e a vez do ecoturismo e do turismo de experiências!”, acredita Guerreiro.

Edi Guerreiro: “Turismo com atividades ao ar livre irão definitivamente apresentar alta demanda”

O Diretor da LCA Viagens, também situada na capital paulista, Luiz Gomes, “a retomada de viagens no doméstico será gradativa e lenta, apesar de mais rápida que o internacional, que depende, além dos voos longos, também da abertura de fronteiras dos países. O uso do carro deve ser mais frequente nesse curto prazo com viagens rápidas, mas não acredito que teremos uma migração grande de viajantes que deixariam de voar pelo Brasil. Nosso país tem extensão de continente o que inviabiliza o turismo nacional sem aviões”.

Papel da aviação

Como frisa bem Gomes, a indústria aérea é fundamental para a retomada do turismo dada à grandeza do Brasil. As agens aéreas deverão subir? Na opinião de Guerreiro, da Escapadas Online, “se a demanda permanecer em ´banho maria´ o aumento nos valores dos bilhetes aéreos será inevitável, estamos claramente falando da lei da oferta e da procura. Enquanto as companhias aéreas não notarem aumento na demanda irão se adequar ao cenário atual e serão obrigadas a aumentar os valores dos seus bilhetes. Maior espaçamento entre os ageiros, redução de voos e aumento de escalas são alguns fatores que irão permear o pós-pandemia”. Ele continua: “Importante somar a isso o endividamento de todas as empresas do setor o durante período mais agudo da pandemia. Muitas já enfrentavam situação econômica desconfortável que se agravaram durante a fase do bloqueio social, foram obrigadas a fazer empréstimos altíssimos e essa conta irá bater à porta dentro em breve, elevando assim os valores de suas operações”.

Com grande experiência na operação aérea, Gomes acredita que os preços das agens devem ser reajustados no médio prazo. “Creio que no curto prazo enquanto os voos não retomarem com muitas frequências não teremos aumento considerável das agens, que devem seguir dentro da normalidade e ainda com promoções. A médio prazo acredito que teremos um reajuste de preço pois, com certeza, estarão voando em um mercado muito menor e com muita aeronave parada. O combate para elevação de preços precisará de ajuda muito grande do governo, principalmente nos impostos e em algumas mudanças necessárias de regulações do setor, apoiando o emprego de mais pessoas no Brasil na aviação como, por exemplo, permitindo voos mais longos com brasileiros. Muitas regras que estavam em discussões devem ser antecipadas para essa pandemia, o que pode trazer benefícios e com isso evitaria subir muito o valor das agens”.

E a configuração interna dos aviões, será que vai mudar? No Exterior, companhias como a Delta Air Lines, dos Estados Unidos, alterou o desenho. “A empresa está bloqueando a venda de assentos selecionados junto aos corredores e janelas em aeronaves adicionais, além de limitar as poltronas disponíveis a 50% na Primeira Classe e 60% na Main Cabin, Delta Comfort + e Delta Select, o que leva à redução do número total de clientes em todas as cabines da frota”, conta a empresa por meio de um comunicado. Pelo menos esta é a prática até o dia 30 deste mês de junho, uma das medidas que visa mais saúde e segurança para clientes e funcionários.

No Brasil, a questão de diminuir o número de poltronas nos voos é analisada pelo Diretor da LCA Viagens. “Não acredito que isso vai acontecer a médio e longo prazos. Preferencialmente as empresas aéreas devem priorizar o distanciamento deixando poltronas do meio em ageiros, mas somente quando for possível. Acredito também que famílias viajando junto não teria necessidade de separação, o que ajudaria na organização dos assentos”, conta Gomes.

Luiz Gomes: “Tenho receio de uma queda na qualidade do serviço de bordo nos aviões”

Ele prossegue: “Não acredito em novas configurações de aeronaves ou mudanças drásticas no modo de operar do setor. Novos protocolos serão incluídos dentro milhares que possuem atualmente, com foco em higienização da aeronave e evitar maiores contatos com os ageiros. Tenho um receio de uma queda na qualidade do serviço de bordo, dentre outros que tenham contato com pessoas. Viajar de avião é algo fantástico e conecta pessoas a lugares incríveis pelo mundo, e os comissários são pessoas que nos acompanham com carinho nessa jornada. Não sabemos como ficaremos na pós-pandemia com essa gentileza um pouco mais distante”.

Prioridade no turismo regional

Em relação aos destinos, Gomes destaca que o “turismo regional deve retomar primeiro, dentro dos próprios Estados. O Nordeste sempre será o destino preferido dos brasileiros e não vejo mudança a frente, pelo contrário, acho que vai ser mais procurado até pelo clima ser favorável a quem tem mais insegurança. Acho que as cidades grandes devem receber mais turistas a negócios, e as viagens de lazer devem migrar para cidades menores com menor risco de aglomeração de pessoas. Se tivesse que escolher cinco lugares que serão bem visitados colocaria, Nordeste em geral, Serra Gaúcha, Foz do Iguaçu (PR), Caldas Novas (GO) e Olímpia (SP)”.

O Diretor da LCA Viagens concorda com Guerreiro e aposta no turismo ecoturístico. “Acredito também que alguns destinos de ecoturismo podem ter uma alta procura também, pois também são mais isolados e com pouco contato com muitas pessoas”, aposta ele.

As viagens de carro deverão ser a nova tendência, na opinião de Guerreiro. “Será uma tendência imediata! Com o bloqueio social, todos nós estamos loucos para tirar uns dias e dar uma escapadinha para algum lugar próximo e, de preferência, com a família. A população que reside em cidades como São Paulo, Rio de Janeiro, Curitiba, Belo Horizonte e as demais capitais brasileiras irá, certamente, pegar o carro com a família ou em pequenos grupos de amigos e farão viagens para os destinos e atrativos mais próximos, sejam esses atrativos campo, montanha ou praia”.

Para o Diretor da Escapadas Online, “é aí que os pequenos hotéis e, principalmente, as pequenas pousadas irão se beneficiar. Esses empresários sairão da crise mais rápido que toda a cadeia do turismo. Vejo aí também oportunidades de empregos para a população desses destinos que deverão contratar para atender a essa demanda”.

A Gerente Geral do Staybridge Suites São Paulo também acredita que, pelo menos num primeiro momento, o carro será o meio de transporte mais utilizado pelas pessoas ávidas por voltar a viajar. “Acho que para as viagens de lazer, em um primeiro momento as pessoas vão optar por fazer viagens de carro, por se sentirem mais seguros (questão do contato com outras pessoas, aeroportos etc), por economia e talvez por este ´resgate´ familiar que foi causado durante o isolamento social”, diz Daniela. “Florianópolis, Curitiba, Cidades Historicas e Inhotim (MG) e praias de forma geral devem ser os destinos mais procurados pelos brasileiros.”

Ex-Diretor em vários países, incluindo o Brasil, da Atout , a agência de promoção turística da França, Jean-Philippe Pérol faz uma análise interessante no âmbito internacional. “Nas novas tendências que se destacam nas viagens pós-COVID-19, uma das mais fortes parece ser a fobia do ´overturismo´, a procura de destinos turísticos fugindo as grandes multidões, a preferência anunciada por hospedagens, restaurantes ou eventos de menores tamanhos, mas com sérias garantias de saúde ou segurança”, escreve ele no seu artigo “Longe das multidões, as tendências pós-crise abrem oportunidades para destinos mais exclusivos”, no seu excelente Le Blog do Pérol na internet, onde há análises do turismo mundial.

Também da Cap Amazon, empresa de representações sediada em São Paulo, Pérol continua em seu artigo: “A primeira vista parece ser um paradoxo os grandes destinos tradicionais, Estados Unidos, Itália ou França serem, talvez, os grandes favorecidos por essa revolução. A França, por exemplo, têm alguns lugares sofrendo de ´overturismo´, mas 80% do seu território recebem somente 20% dos turistas enquanto essas mesmas regiões escondem lugares excepcionais pelas suas riquezas naturais, culturais ou humanas”.

Cidades como Tiradentes (MG), tem sua economia baseada no turismo – Foto – Pedro Vilela – MTUR

Reabertura da hotelaria

E a hotelaria, como ficará neste momento de abertura gradual, em alguns municípios, e, sobretudo, quando a pandemia for retirada pela OMS? Para Daniela, “os clientes e os hoteleiros sem dúvida terão de entender os novos protocolos; em um primeiro momento provavelmente algumas coisas podem causar estranheza, mas com o tempo entrará na rotina do viajante. Os hotéis vão ter que evidenciar as ações de higiene e proteção, que estão sendo colocadas em prática, isto com o tempo será cobrado pelo próprio hóspede”.

Sobre a questão tarifária, ela diz que “não há razão para aumento ou queda nos preços, o ideal seria mantermos o ritmo de diária que vinha sendo trabalhado no final de 2019 e começo deste ano. Baixar diárias não gerará mais demanda, e aumento de preços não cabe no momento econômico que estamos ando”.

O Diretor da Escapadas Online acredita que os hóspedes vão compreender os novos protocolos. “Sem dúvida, depois de ar pelo que estamos ando, quem não aceitar as novas regras será carta fora do baralho. Ou seja o turista, mais que nunca, deverá se adaptar ao seu local de estada. Seguir protocolos será algo imperativo para o bem estar de todos e quem não aceitar as novas regras, não será aceito. Simples assim!”

Guerreiro continua: “Com referência a tarifas hoteleiras, aqui o buraco é mais embaixo, isso por conta da concorrência. A tendência é que os valores de partida sejam mais baixos do que eram antes da pandemia, agora, a medida que a demanda for aumentando, as tarifas subirão. Novamente, pequenos hotéis e pousadas irão se beneficiar e muito!”

O Diretor da LCA Viagens concorda com Guerreiro. “Acredito que teremos muitas oportunidades no mercado de hotelaria com preços convidativos na retomada. Acredito muito na consciência do novo turista e respeito a novos protocolos. O desafio do setor de hotelaria é grande, mas acredito que para controle de protocolos é mais fácil por ser dentro do empreendimento e com fiscalização mais fácil e controle recorrente. Várias protocolos serão feitos, inclusive facilitando check-in e outros processos que precisamos fazer. Muita inovação por vir também aos hoteis, principalmente de rede”.

Gomes finaliza dizendo que “a higienização dos quartos deverá seguir protocolos rígidos, e as áreas comuns deverão sofrer a maior observação de novos protocolos, pois nessas áreas que teremos contatos com outras pessoas e famílias. As refeições deverão também ser adaptadas, principalmente o serviço de buffet que ará por mudanças grandes, e em alguns casos, trocados pelo à la carte. Não acredito em aumento de preços fara da normalidade, mas no internacional sofreremos por um bom tempo com o dólar nos patamares atuais”.

Intenção de viajar é alta

Muita gente não vê a hora de poder voltar a viajar, seja de avião, ônibus, carro, navio etc. É o que constata o Overseas Leisure Group, operadora de viagens de luxo presente em 34 países. A empresa realizou uma pesquisa feita no Brasil com 600 viajantes entusiastas entre 22 e 29 de abril, revelando uma série de tendências positivas no turismo para o futuro imediato e o restante do ano.

Apesar do triste cenário por causa da pandemia do novo coronavírus no País, a pesquisa do Overseas mostra que “64% dos brasileiros não veem a hora de poder planejar sua próxima viagem”. Em relação aos meios de transporte, as estatísticas exibem também “uma quantidade robusta de viajantes que considerariam viajar de avião (91%)”.

Em relação aos destinos, as pessoas ouvidas pela pesquisa “apontam que já possuem uma ideia do destino para onde desejam viajar, destacando-se 33% para viagens dentro do Brasil”. “Após semanas de confinamento, os sonhos de retomar nossas aventuras estão cada vez mais à frente da mente”, constata o CEO do Overseas Leisure Group, Felix Brambilla.

Uma viagem urbana e de avião é a preferida das pessoas que participaram dessa pesquisa da Overseas Leisure Group

Confira outros dados obtidos por meio da pesquisa: 78% dos viajantes consideram que as viagens sofreram apenas uma pausa, não constituindo uma mudança para sempre; 43% dos viajantes optariam por viajar para o Exterior; 27% dos viajantes escolheriam destinos urbanos e 25% que escolheriam ir para um resort de praia descolado; e 40% dos entrevistados estariam dispostos a fazer reservas sem restrições ou depósitos imediatos para iniciar o planejamento de férias.

Publicidade
APP da Revista Hoteis

Deixe um comentário

Este site utiliza o Akismet para reduzir spam. Saiba como seus dados em comentários são processados.

CLICK AQUI PARA ESCOLHER O IDIOMA DA LEITURA
error: ARQUIVO NÃO AUTORIZADO PARA IMPRESSÃO E CÓPIA